sexta-feira, 29 de julho de 2011

Anjos de Soweto, Ecos da Noruega

O recente episódio na Noruega que culminou com dezenas de mortes nos leva a algumas indagações, como, por exemplo, a que níveis de degradação moral e ética a intolerância pode nos levar? Esse triste e terrível acontecimento foi motivado por sentimentos deploráveis que a muito vem vitimando milhares de vida em várias partes de nosso adorável planeta terra. Milhões de judeus, ciganos, deficientes físicos foram exterminados pelas forças nazistas e seus simpatizantes durante a Segunda Guerra Mundial. Nos EUA era prática comum, a discriminação racial dirigida contra os não brancos. Eram comuns os linchamentos seguidos de enforcamentos de negros nas árvores desse país promovidos por organizações como a temível Klu Klux Klan, com a complacência de autoridades e de expressivos segmentos sociais e religiosos.

Na África do Sul, um país que há décadas vigorou um regime político deplorável, o Apartheid, estudantes negros no bairro de Soweto, em 16 de Junho1976, num ato de desprendimento e de amor a vida rebelaram-se contra as imposições da elite branca que conduzia o país com mãos de ferro e com um apetite enorme por mortes. Milhares de estudantes foram às ruas em protesto contra a imposição da língua africânder, nome de uma das línguas do colonizador branco. A polícia atirou contra estudantes que marchavam com seus uniformes.

Soweto, um importante bairro localizado na cidade de Johanesburgo, África do Sul, com grande concentração de negros foi uma importante frente de resistência ao Apartheid, nunca se curvou, nele se travou uma das batalhas mais trágicas contra esse regime. Estudantes negros, os Anjos de Soweto, munidos de forte indignação e em defesa da liberdade e da vida enfrentaram uma Polícia bem armada e bem treinada, que não encontrou incômodo nenhum em atirar e promover um massacre, pois tais práticas lhes eram conhecidas há tempos. Foram mortas 170 pessoas, entre elas muitas crianças e outras centenas ficaram feridas no Massacre de Soweto.

Em nome de uma suposta supremacia étnico-racial, acrescidas de outros componentes discriminatórios, dezenas de vidas foram ceifadas no levante de Soweto de 1976 e em ações com conteúdos semelhantes, dezenas de vidas foram ceifadas recentemente na Noruega. Diante desse acontecimento é de conhecimento público que na Europa há uma crescente onda de xenofobia e de tentativas de culpar os imigrantes pela crise econômica e social pelo qual passa alguns países europeus. Somadas a tais práticas esta em curso uma tentativa de criminalização do islamismo e dos mulçumanos. Essas posturas contam com o consentimento de lideranças políticas e de chefes de governos europeus.

No Brasil, sob a forma de múltiplas violências, dezenas de crianças, adolescentes e jovens, principalmente negros tem tido suas vidas, também violadas. Há em nosso país quando se trata do desrespeito à condição humana, uma predileção cotidiana a onerar a população negra, ou seja, há um massacre constante e cotidiano. O momento é de reflexão, mas, exige uma tomada de posição, exige desprendimento e ações que valorizem a vida e o respeito às diferenças, sob todas as suas formas. Temos que sairmos da indiferença e do individualismo, temos que assumir o comando das ações em defesa da igualdade plena, caso o contrário, os anjos da morte e as vozes da obscuridade continuaram a agir, os resultados já nos são conhecidos.     

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Educação e Relações Étnico-Raciais

Educação e relações étnico-raciais

         A diversidade étnico-racial esta presente em nosso cotidiano, a sociedade brasileira por longos anos foi pensada pelos segmentos sociais dominantes a partir de interesses políticos e econômicos de classe, de gênero e de raça. O conceito de raça humana desenvolveu-se de forma equivocada, a partir do desenvolvimento de teorias biológicas de classificação das espécies do reino animal no século XIX. A utilização do conceito de raça humana foi uma construção política que para tanto procurou subsidiar as teorias racialistas que fizeram sucesso no século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Tais teorias tiveram adeptos entusiastas no Brasil e subsidiaram a ação do Estado brasileiro na construção de políticas públicas que, mediante diversas formas aprofundaram o caráter excludentes de nossa sociedade.
.
         Em uma sociedade marcada profundamente por relações desiguais nos remete a reflexão da necessidade de repensarmos a qualidade das relações étnico-raciais. A educação das relações étnico-raciais perpassa por diversas relações, ou seja, relações familiares, nos locais de trabalho, nos espaços de lazer, nos espaços religiosos, nas escolas, universidades, etc. Para que possamos melhor compreender as dimensões da importância da reeducação das relações étnico-raciais faz sentido analisar as seguintes orientações:

Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando de relações étnico-raciais. Dependem, ainda, de trabalho conjunto, de articulação entre processos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-raciais não se limitam à escola. (Conselho Nacional de Educação - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana/2004).

Os nossos modelos tradicionais de ensino foram organizados para legitimar, uma hegemonia ideológica de determinado segmento social brasileiro. Do Ponto de vista social e político procurou-se legitimar, o interesse da classe social dominante do Brasil, etnicamente procurou-se idealizar relações étnico-raciais baseadas em supostas hierarquias e do ponto de vista de gênero, procurou-se afirmar a supremacia dos Homens.  “Homem, Branco e Rico”, foram componentes trabalhados no imaginário social como símbolo de poder, hora de forma explícita, hora de forma indireta, subliminar. A primeira vista pode parecer que essas questões já foram superadas, mas na realidade muito dessas idéias permanecem e foram agravadas por não terem sido enfrentadas de forma adequadas.

         Os nossos sistemas de educação, seja público ou privado, têm importantes responsabilidades no trato da diversidade e das relações étnico-raciais. Há que se ter desprendimento, deve haver um contínuo trabalho junto aos profissionais da educação que vise ao seu real engajamento em suas unidades de ensino diante dessas questões, quanto aos alunos devem serem estimulados a reflexões que os possibilitem reeducarem-se continuamente perante a novas relações étnico-raciais e outras questões correlatas. Os desafios são grandes, nesse sentido são apropriadas as seguintes orientações:                                                 
O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, visando às reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros dependem necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como seus professores, precisam sentir-se valorizados e apoiados. (Conselho Nacional de Educação - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana/2004)





quinta-feira, 21 de julho de 2011

Reflexões sobre a Democracia Brasileira



A questão da democracia a um bom tempo tem feito parte de minhas reflexões. Eu sou de uma geração que nasceu e foi criada em plena ditadura civil-militar, minha Cidade, Volta Redonda/RJ, durante a maior parte desse período era tida como Área de Segurança Nacional e para agravar, a partir do ano de 1972, passou-se a não ter mais eleições diretas para Prefeito, ou seja, os sucessivos governos de minha Cidade eram indicados, pessoas comprometidas com a ditadura. Os adultos próximos de meu convívio, como meus pais e vizinhos, quando tratavam dessas questões falavam baixo, entre os dentes e principalmente não tocavam nesses assuntos próximos de nós crianças e adolescentes. Com o tempo soube que esses comportamentos não eram apenas dos mais próximos, mas, de tantos outros em minha Cidade e no Brasil. O medo, a intimidação e represálias rondavam a sociedade.

Em 1974 estava com 9 anos e me lembro das eleições que ocorreram nesse ano, mas naquele momento não dimensionava os seus significados. Lembro-me que eu e meus amigos de infância nos deliciávamos com aquelas bandeirinhas dos candidatos da ARENA, partido dominante e do MDB, partido oposicionista, tudo para nós era uma festa. A partir de 1977 começaram a aparecer algumas pichações nos muros, algumas trazendo mensagens sobre a anistia, mas não entendia nada ainda, porém, em 1978, meus pais já falavam mais abertamente algumas coisas, que começaram a me chamar a atenção e nesse mesmo ano houve uma greve dos trabalhadores das empreiteiras da CSN, (Companhia Siderúrgica Nacional), deu polícia para todos os lados, eu estudava em um colégio, próximo a CSN, o Barão de Mauá e presenciei aquelas tensões.
 
A partir dos anos 80 com a anistia, o retorno dos exilados, a reorganização partidária e a realização de eleições sucessivas e de diversos planos econômicos, a democracia no Brasil vem sendo colocada constantemente a prova. Superamos o arbítrio da ditadura, um forte sentimento de mudanças e liberdades veio à tona, mas, porém, ha certos nós que ainda não foram desatados e que me deixam apreensivo. A violência que paira sobre a sociedade, seja nas Cidades ou Campo, a Corrupção que graça sobre as Administrações Públicas, o Coronelismo Moderno, etc... Colocam a democracia brasileira em cheque.

Essas manifestações são antigas em nossa formação social, exemplos atuais não faltam,  como os recentes assassinatos de Juan, uma criança de 10 anos por Policiais Militares no Município de Nova Iguaçu/RJ, os constantes assassinatos de camponeses, de indígenas e ambientalistas por esse Brasil afora. Tais práticas geram instabilidades, tensões, que em se tratando de uma sociedade como a nossa, com fortes tradições autoritárias e antipopulares, tudo pode acontecer, temo pelos resultados que podem gerar. A ação do crime organizado, corrompendo e tirando a vida de inúmeras crianças, adolescentes e jovens, é outra grave ocorrência social.

Não é minha intenção ser pessimista, pelo contrário, creio que a democratização contínua da sociedade, é que nos permitira enfrentar tais situações a partir de uma real perspectiva social, mas, o cenário não é dos melhores, acreditar que a democracia brasileira esta madura e não vulnerável a contratempos é temeroso. Ampliar, a democracia, tendo como centro o fortalecimento da sociedade civil, desprivatizar o poder público em todas as suas esferas, uma luta sem tréguas contra a corrupção e as violações aos direitos dos cidadãos e reorganizar nossa relação com todas as formas de vida de nossos ecos-sistemas são desafios da democracia brasileira.